domingo, 5 de dezembro de 2010

ESTUDO DA TÁTICA II


O QUE É UMA COMBINAÇÃO ?

A maioria dos trabalhos que se ocupam com o aspecto tático do xadrez, são consagrados a combinação, que, sem dúvida, constitui o elemento mais importante da tática e ao mesmo tempo o mais interessante. Somente nos últimos tempos foram abordados outros aspectos da tática fazendo-se uma diferença sobre a combinação propriamente dita e a manobra tática.


Que é a combinação no xadrez?


A resposta a essa pergunta não é muito simples de ser dada, pois vários grandes jogadores e analistas do xadrez estudando esse problema chegaram a conclusões parecidas, porém não idênticas, sobre o tema. resumiremos algumas delas.

Em seu trabalho “Manual de Xadrez”, Manuel Lasker, campeão mundial , entre 1894 e 1921, aborda este tema explicando que “em certas posições existam certos lances, chamados forçantes, que criam ameaças inesperadas e fortes, por exemplo: ameaças de mate, de tomada de peça ou coroação de um peão. O objetivo desses lances é trocar todos os valores naturais. Para contra-atacar esses lances forçantes o adversário tem à disposição lances de defesa igualmente forçantes. Deste jeito o ataque, o contra-ataque, a defesa formam uma seqüência, as vezes simples, as vezes mais complexas, chamada variante. Quando essas seqüências se ramificam, por exemplo quando existem dois ou mais meios de defesa se pode falar em cadeias de variantes”. Depois dessa definição de variante Lasker passa a definir combinação da seguinte maneira: “se um grupo de variantes contém em si o resultado concreto que merece atenção então a totalidade dessas variantes se chama combinação”.

Como podemos perceber, Lasker trata a combinação exclusivamente do ponto de vista de um jogador prático. Não o preocupa o fato de existir ou não na combinação o sacrifício como elemento constitutivo. Uma outra explicação sobre combinação foi dada por outro ex campeão mundial, Dr. Max Euwe entre 1935 e 1937, que em seu artigo “Estratégia e Tática” publicado em Amsterdã em 1935 dizia que “se partimos do ponto de vista que por estratégia se entende estabelecer um plano e por tática realizá-lo, então a combinação deve ser considera como a mais alta manifestação de tática. Por combinação se cria uma etapa especial e curta da partida onde se atinge forçado um objetivo precioso. Nesta etapa da partida os lances formam uma seqüência lógica e se encontram numa ligação indissolúvel um após o outro”. Euwe trata também da característica estética da combinação: “combinações provocam sempre uma expressão estética. O modo em que as coisas incríveis se tornam inesperadamente evidentes e o fantástico se torna realidade, exerce sobre os enxadristas um incrível fascínio...”

Uma opinião não tão “catedrática” mas eloqüente citou o conhecido grande mestre Tartakower que com seu habitual humor definiu a combinação como “uma faísca divina que encontra-se fora do jogo de xadrez e que de fato, despreza aqueles princípios sobre tempo, espaço, material e lógica que gostariam de conduzir o jogo exclusivamente...” ( publicado em Berlim, 1928, no livro “Schachmethodik”).

Podemos perceber que o elemento estético é também um fator importante nas combinações. A maioria das combinações, se caracterizam por um elemento que lhes é comum, isto é, o sacrifício. Sacrifício representa o rompimento temporário do equilíbrio quantitativo com o objetivo de obter vantagem material e posicional ou uma definição imediata da partida (mate, xeque perpétuo, afogado, etc).

Aceitando a tese de que o elemento estético é indissoluvelmente ligado a uma combinação é fácil entender porque a maioria dos analistas considera o sacrifício como parte obrigatória da combinação. A combinação é, então, considerada o cume da habilidade tática, representando de fato, uma resolução rápida, precisa e definitiva do problema estratégico contido na posição. Em geral, as mais bonitas combinações contêm normalmente sacrifícios diversos. Existem, entretanto, combinações sem sacrifícios, mas, neste caso, o complexo de lances deve ser forçado e deve produzir uma impressão estética.

A manobra tática significa exatamente este caso onde temos um objetivo claro realizado através de lances forçados, mas onde não se produz o sacrifício. Essa manobre tática se encontra freqüentemente na terminologia enxadrística sobre o nome de seqüência forçada.

Resumindo podemos dizer que combinação é um elemento principal da tática na qual a parte ativa obtém uma vantagem objetiva, com a ajuda de uma série de lances forçados (com ou sem sacrifícios) que na totalidade possui uma impressão estética.

 
Análise das fases de uma combinação

Fazendo uma análise de qualquer combinação conhecida, podemos constatar que a realização desta tem que passar, do ponto de vista analítico, pelas seguintes fases:
1. Estabelecer a existência de premissas favoráveis que torna provável a existência de uma combinação numa certa posição.
2. Estabelecer a idéia (tema) principal da combinação.
3. Calcular concretamente a série de lances (variantes e sub-variantes) que forma a combinação.
4. Apreciar as conseqüências reais da combinação.

Estas etapas resumem o processo de pensamento efetuado por um jogador que faz uma combinação. Durante uma partida é claro que estas etapas se sobrepõem, e o esforço recai especialmente sobre os dois últimos tópicos (cálculo e apreciação). Os bons jogadores táticos conseguem, devido ao talento e experiência, perceber quase instintivamente, a presença das combinações em diversas posições, especialmente se elas decorrem logicamente do desenvolvimento normal do plano estratégico.

Podemos dividir as combinações em duas grandes categorias em função de como aparecem na partida de xadrez:
1. Combinações que surgem como conseqüência lógica de um plano estratégico bem elaborado.
2. Combinações que aparecem “ao acaso”.

As combinações do primeiro grupo são conseqüência de um plano estratégico complexo bem elaborado e a sua realização é apenas o desfecho natural desse plano.

Já no segundo grupo temos combinações muito mais difusas. O nome “ao acaso” não tem nem de longe a intenção de diminuí-las, pois estas combinações podem aparecer em qualquer momento devido às infinitas opções táticas que contém o xadrez. Na base de uma partida qualquer descuido, qualquer erro, qualquer cálculo descuidado ou superficial das variantes podem dar chance ao adversário de realizar um golpe tático inesperado.

Então resumindo o conceito de combinação diríamos que : “ A Combinação é uma variante Forçada, com Sacrifício de Material, conduzindo a um Resultado Positivo”.

Classificação das combinações

Classificação por códigos, muitas vezes são usadas na revista Iugoslávia
“ Sahovski Informator “  e tal combinação não se relaciona com as características da posição.
A classificação temática, acho mais pedagógica e compreensível, destacarei duas que vê o caráter  analítico da posição:

1-    I       -     Combinações com ataque de mate.
II      -    Combinações para conseguir empate.
III    -    Combinações que conduzem a vantagem material.
IV    -    Todas as demais combinações.
 
2-    a  -   Destruição da defesa
b  -   Bloqueio
c  -   Liberação de espaço
d  -   Desvio
e  -   Ataque descoberto
f   -  Cravada
g  -   Demolição da estrutura de peões
h  -   Atração
i   -   Intercepção
j   -   Ataque duplo
k  -  Abertura de linhas (coluna ou diagonal)
l   -  Movimento intermediário
mPromoção de peão
n  -  Conjunto de métodos táticos.
o  -  Xeque – perpétuo
p  -  Afogamento do rei
q  -  Ataque de raio - X

QUADRO II

MOTIVOS TÁTICOS

ATAQUE DE MATE
GANHO DE MATERIAL
POSICIONAL
EMPATE
Tipos de Mate
Ganho de Uma Peça Sem Defesa
Criação de Um Peão Passado
Empate Por Afogamento
Mate Afogado
Ameaça inadvertida

Posto Avançado do Cavalo
Xeque Perpétuo
Mate do Passeio

Duplo de Cavalo
Torre na Sétima
Redução a Finais Teóricos de Empate
Dois Cavalos e Rei Contra Rei
Bispo Mal e Peão de Torre

Perseguição do Rei

Garfos e Outras Forquilhas
Simplificação ou Liquidação com Vista a um Final Ganho
Xeque Duplo e  Descoberto
Cravadas
Destruição da Estrutura  de Peões
Duplo Sacrifício
De Torre
Peça Sobrecarregada
Controle do Centro
Duplo Sacrifício de Bispo

Peça Desesperada
Obtenção do Par de Bispo
Ataque a Um Ponto Fraco
(Qualquer Casa Só Protegida Pelo Rei)
Coroação ou Promoção
Do Peão
Troca Oportuna de Damas
Sacrifício Clássico de Bispo

Ataque Descoberto

 
O primeiro exemplo apresenta a clássica combinação efetuada por Botvinnik em sua partida contra Capablanca no torneio internacional de Amsterdã em 1938.

Botvinnik - Capablanca
Amsterdã, 1938


Botvinnik teria a possibilidade de jogar uma forte manobra 1.Ce2 seguido de 2.Cf4 com excelentes possibilidades. Em vez disto começou uma combinação com sacrifícios, calculando mais de dez lances, sendo este não só o mais bonito, mas também o mais efetivo meio de obter-se a vitória. 1.Ba3!! Dxa3 2.Ch5+! gxh5 3.Dg5+ Rf8 4.Dxf6+ Rg8 5.e7! Dc1+ 6.Rf2 Dc2+ 7.Rg3 Dd3+ 8.Rh4 De4+ 9.Rxh5 De2+ 10.Rh4 De4+ 11.g4! De1+ 12.Rh5 e as pretas abandonaram. 1-0


Bernstein - Capablanca
Moscou, 1914

1...Db2!! na partida as brancas abandonaram aqui. [As pretas podem melhorar seu jogo após 1...Db1+ 2.Df1 Dxa2 (2...Td1?? 3.Tc8+ ambos têm fraquezas na última fila.) ] 2.Tc8!? [2.Tc2 Db1+ 3.Df1 Dxc2; 2.De1 Dxc3 3.Dxc3 Td1+ 4.De1 Txe1#] 2...Db1+ 3.Df1 Dxf1+ 4.Rxf1 Txc8 0-1
 
A prática há demonstrado que as mais bonitas e elegantes combinações são conseqüência da realização de um plano estratégico profundo. Apresentamos a seguir um exemplo clássico de combinação brilhante derivada de um plano estratégico bem elaborado. 1.d4 Cf6 2.c4 d6 3.Cc3 e5 4.Cf3 Cbd7 5.g3 g6 6.Bg2 Bg7 7.0-0 0-0 8.b3 Te8 9.e4 exd4 10.Cxd4 Cc5 11.Te1 a5 12.Bb2 a4 13.Tc1 c6 14.Ba1 axb3 15.axb3 Db6 a fase de abertura terminou já com algum sucesso para as pretas na realização do seu plano. Ao preço de uma só fraqueza(d6) suas peças ocupam posições favoráveis exercendo pressão sobre as casas pretas, especialmente d4. A coluna a estar em seu poder e o peão de b3 das brancas é fraco. Para obter contrajogo as brancas teriam que conseguir o avanço f4, porém isso é irrealizável. Na continuação as pretas aumentarão a pressão pelo bispo de g7. 16.h3 Cfd7 17.Tb1 Cf8 18.Rh2 h5! o começo de um plano de ataque muito original. As pretas obtiveram uma melhor posição de peças do ponto de vista de seu plano estratégico. O objetivo deste corajoso avanço é criar uma nova fraqueza na ala do rei branca, obtendo desta maneira, eventuais possibilidades de concretizar sua vantagem posicional através do caminho tático 19.Te2 h4 20.Td2

Pachman,L - Bronstein,D [E67]
Match - Moscou x Praga, 1946

Parece que as brancas têm defendidas todas as suas fraquezas. Mas como acontece frequentemente em posições nas quais a pressão posicional de uma das partes atingiu uma grande intensidade, é exatamente agora que aparece a possibilidade das pretas efetuarem uma combinação bastante bonita. Esta combinação é consequência lógica do jogo posicional das pretas que criou as premissas para a existência dessa combinação:as forças das brancas estão mobilizadas na defesa das fraquezas na ala da dama e no centro ao mesmo tempo que as peças pretas estão colocadas de tal modo que podem começar uma ação nas quais serão usadas todas as vantagens posicionais e o golpe principal será desferido na ala do rei. 20...Txa1!! As pretas calcularam uma série de variantes que as leva à vitória mesmo contra a melhor defesa das brancas. Essas variantes se baseiam na seguinte idéia combinativa: as pretas viram que depois de uma série de lances forçados a dama preta penetra em f2 com mate decisivo. Portanto, o tema dessa combinação é o ataque de mate contra enfraquecida do roque das brancas. 21.Txa1 Bxd4 22.Txd4 Cxb3 23.Txd6 Dxf2 24.Ta2 [este é o lance sutil em que se baseia toda a combinação das pretas. Agora as brancas não podem jogar 24.Dxb3 por causa da bonita variante 24...hxg3+ 25.Rh1 Bxh3 26.Tg1 Bxg2+ 27.Txg2 Df1+ 28.Tg1 Dh3# por isso as brancas não têm outra defesa a não ser a que tentaram na partida] 24...Dxg3+ 25.Rh1 Dxc3 a combinação das pretas terminou, elas obtiveram duas peças por torre e guadaram o ataque decisivo, que de fato ganhou a partida em alguns lances 26.Ta3 seria incorreto 26.Td3 por causa de 26....Dc1. 26.Ta3 Bxh3 27.Txb3 Bxg2+ 28.Rxg2 Dxc4 29.Td4 De6 agora a posição das brancas desmorona em dois lances porque seu rei está exposto em demasia 30.Txb7 Ta8 31.De2 h3+ e as brancas abandonaram. 0-1
 
Mostraremos a seguir, um exemplo de combinação "por acaso".

Bondarevsky - Ufimtzev
Leningrado, 1936

A possibilidade de uma combinação por parte das brancas é totalmente surpreendente. No tabuleiro restaram poucas peças, o rei preto está suficientemente defendido e na verdade as pretas venceriam, sem maiores dificuldades após 1....Tc3, porém um lance inesperadamente superficial foi jogado: 1...Bg2?? e agora a partida muda de rumo por completo. A possibilidade de combinação que se oferece é utilizada pela brancas e se baseia em uma idéia de mate característica de finais artísticos 2.Th8+ Rf7 3.Be8+!! inacreditável, o bispo é sacrificado forçando o cavalo preto a abandonar a casa f6. 3...Cxe8 4.Rg5 este é o ponto final da combinação. Não há defesa para o mate no próximo lance e percebe-se a razão do sacrifício do bispo em e8, pois se o cavalo preto estivesse em f6 poderia agora dar um xeque salvador ao rei branco. Nota-se também, porque o lance 1....Bg2 foi um erro, pois abriu as chances de dar xeque em h8, além de obstruir a casa de xeque da torre preta em g2. Uma combinação original e elegante que tem como tema a expulsão das peças defensoras, que será estudado em outra ocasião. 1-0


Torre,Carlos - Lasker,Emanuel
Moscou, 1925

Parece que as pretas podem contentar-se com a situação presente, mas um sacrifício brilhante e inesperado do bispo branco altera a situação de modo drástico, possibilitando a execução de uma combinação que é conhecida como "pêndulo", "Máquina" ou "Moinho". 1.Bf6!! Dxh5 2.Txg7+ Rh8 3.Txf7+ Rg8 4.Tg7+ Rh8 5.Txb7+ Rg8 6.Tg7+ Rh8 7.Tg5+!

Torre,Carlos - Lasker,Emanuel
Moscou, 1925

Depois de uma série de xeques descobertos a torre motilou todo o exército preto, ao longo da sétima fileira, e agora a dama preta também perece. 7...Rh7 8.Txh5 Rg6 9.Th3 Rxf6 10.Txh6+ as brancas com dois peões a mais, venceram com facilidade. 1-0


Steinitz - Bardeleben,C
Hastings, 1895

1.Tf7+ Rg8 2.Tg7+ Rh8 [2...Rf8 3.Cxh7+ Re8 4.Cxf6+ Rd8 5.Dxd7#; 2...Dxg7 3.Txc8+ Txc8 4.Dxc8+ Df8 5.Dxf8+ Rxf8 6.Cf3+-] 3.Txh7+ Rg8 4.Tg7+ Rh8 5.Dh4+ Rxg7 6.Dh7+ Rf8 7.Dh8+ Re7 8.Dg7+ Re8 9.Dg8+ Re7 10.Df7+ Rd8 11.Df8+ De8 12.Cf7+ Rd7 13.Dd6# 1-0

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